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Política

‘Meu pai usava a aposentadoria pra comprar remédio — até que dinheiro começou a sumir’: Os potiguares roubados no esquema do INSS

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Por quatro longos anos, enquanto lutava pela vida em uma cama, um aposentado potiguar por invalidez teve seu suado benefício do INSS silenciosamente corroído. Mês após mês, um valor que começou em R$ 22,00 e chegou a R$ 42,50 era subtraído sem piedade pela Máfia do INSS, sem autorização, sob a rubrica de uma entidade até então desconhecida pela família: a CONAFER – Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil. A notícia é Blog do Dina.

“Meu pai é acamado há mais de dois anos, faz hemodiálise há 13 anos. Todo o salário dele é para medicamentos”, desabafa o filho, que pede anonimato para proteger o pai fragilizado.

A descoberta da fraude, que subtraiu mais de R$ 1.300 do benefício essencial para a sobrevivência do idoso, só veio quando o dinheiro, já escasso, simplesmente deixou de ser suficiente, revelando um dos vários esquemas descortinados na Operação Sem Desconto, que descobriu uma fraude bilionária promovida pela Máfia do INSS contra o tipo de gente mais necessitado.

Detalhando a Fraude Silenciosa da Máfia do INSS

A descoberta do esquema que lesou o aposentado acamado não foi imediata, mas sim um processo doloroso e gradual, revelado pela crescente dificuldade financeira enfrentada pela família. Conforme os extratos do Histórico de Créditos do INSS, obtidos pela família e analisados para esta reportagem, o desconto indevido sob a rubrica “CONTRIB. CONAFER 0800 940 1285” começou a ser efetuado em janeiro de 2021, no valor de R$ 22,00. Este valor persistiu mensalmente ao longo de todo o ano de 2021.

A aparente modicidade do valor inicial, somada à existência de um empréstimo consignado que já reduzia o benefício líquido, dificultou a percepção imediata da irregularidade. “Como ele tinha um empréstimo consignado, minha irmã que recebia [o benefício] ela não tinha percebendo tanto”, explica o filho.

A situação começou a mudar drasticamente no ano seguinte. Os extratos mostram que, em fevereiro de 2022, a Máfia do INSS passou passou a descontar R$ 24,24, permanecendo nesse patamar nos meses subsequentes analisados. Foi essa escalada que acendeu o alerta. “Só que aí do ano passado pra cá começou a dobrar os valores e os descontos. Foi quando ela veio falar, quando eu fui procurar saber”, relata.

A família, já lutando para cobrir os custos com os medicamentos essenciais para o idoso, que enfrenta hemodiálise há treze anos e está acamado há mais de dois com um fêmur quebrado, percebeu que o dinheiro simplesmente não era mais suficiente. “De repente, começamos a notar que o dinheiro não dava mais. Fomos ao INSS e descobrimos que estavam descontando sem a gente saber”, complementa o filho.

A análise dos documentos revela que a fraude se estendeu por um período alarmante: 49 meses consecutivos, de janeiro de 2021 a janeiro de 2025, conforme apurado inicialmente. Durante todo esse tempo, a CONAFER recebeu valores mensais retirados diretamente do benefício de incapacidade permanente do idoso.

O montante total descontado indevidamente pela Máfia do INSS, considerando a variação dos valores, ultrapassa R$ 1.365,50 – uma quantia significativa que fez imensa falta no orçamento de quem depende exclusivamente da aposentadoria para sobreviver e custear tratamentos médicos indispensáveis. A vulnerabilidade extrema da vítima – um idoso acamado, com mobilidade severamente limitada e dependente de cuidados constantes – torna a fraude ainda mais cruel e levanta questionamentos sobre como tal desconto pôde ser autorizado ou implementado sem o consentimento explícito do beneficiário.

A Luta nos Tribunais de Uma Seridoense Contra a Máfia do INSS

Outro caso de potiguar que ilustra a dimensão da Máfia do INSS é de uma aposentada de Jardim do Seridó, cujo advogado entrou em contato com o Blog do Dina e forneceu todo o histórico de um processo movido contra a Conafer por idêntico desconto não autorizado.

A aposentada de Jardim do Seridó/RN, não apenas espelha a fraude sofrida pelo idoso acamado, mas também expõe as táticas evasivas utilizadas pela CONAFER no âmbito judicial. Como detalhado no processo, a idosa acionou a justiça em maio de 2021 após constatar descontos indevidos que somavam R$ 212,30 em seu benefício de um salário mínimo, realizados entre junho de 2020 e março de 2021, sem qualquer autorização.

O que se seguiu foi uma verdadeira saga para simplesmente conseguir que a CONAFER fosse formalmente notificada do processo. A primeira tentativa de citação postal, enviada para a sede da entidade em Brasília, retornou com a observação “MUDOU-SE” em agosto de 2021, apesar de ser o endereço constante no CNPJ. Chamar da Máfia do INSS é muito pouco.

Após a autora fornecer um endereço atualizado, novas tentativas foram feitas. A CONAFER só foi efetivamente considerada citada em novembro de 2021, após meses de idas e vindas. Contudo, a dificuldade persistiu: uma nova carta de citação para uma audiência posterior também retornou com a mesma justificativa “MUDOU-SE” em janeiro de 2022. A defesa da aposentada chegou a solicitar a citação por meio eletrônico, dada a dificuldade em localizar a entidade fisicamente.

O Blog do Dina localizou na rede de investigação que integra contatos associados ao presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes e enviou mensagem. Até a publicação desta reportagem, a mensagem nao havia sido recebida no WhatsApp dele.

A CONAFER só apresentou sua contestação no processo em junho de 2022, mais de um ano após o início da ação. Essa dificuldade em citar a ré, um requisito básico para o andamento de qualquer processo judicial, demonstra uma estratégia que não só atrasa a busca por justiça das vítimas, mas também onera o sistema judiciário e causa ainda mais desgaste aos autores, que já foram lesados financeiramente.

O processo de aposentada de Jardim do Seridó culminou em sentença favorável a ela em agosto de 2022, declarando a inexistência do débito e condenando a CONAFER a restituir em dobro os valores descontados (R$ 424,60) e a pagar R$ 5.000,00 por danos morais. A sentença transitou em julgado (tornou-se definitiva) em abril de 2024, mas a dificuldade inicial em citar a empresa integrante da Máfia do INSS é um testemunho eloquente dos obstáculos enfrentados.

A Batalha por Justiça É Outro Calvário No Enredo da Máfia do INSS

Diante da descoberta da fraude cometida pela máfia do INSS e do impacto financeiro crescente, as famílias das vítimas não se resignaram e iniciaram uma árdua batalha para reverter a situação e buscar justiça. No caso do idoso acamado, o primeiro passo, natural, foi questionar o próprio INSS sobre a origem e a legitimidade daqueles descontos que sangravam o benefício. No entanto, a resposta obtida foi frustrante.

“Eu questionei porque esses valores que estava descontando se a gente nunca solicitou pra pagar desconto dessas entidades […] mas tipo ficar dando desculpa esfarrapada, né?”, queixou-se o filho. Embora o pedido de cancelamento dos descontos futuros tenha sido eventualmente acatado pelo INSS, a falta de clareza sobre como a situação começou e a ausência de uma solução para reaver os valores já subtraídos levaram a família a buscar outros caminhos.

O passo seguinte foi procurar o Procon, órgão de defesa do consumidor. A ida ao Procon da Zona Norte, conforme relatado pelo filho do idoso, não só confirmou que o caso não era isolado, como também revelou as dificuldades em lidar com a entidade específica responsável pelos descontos, a CONAFER.

“Essa aí [CONAFER] estava, segundo o Procon, o pessoal do Procon estava tendo muita dificuldade. Eles faziam negociação, negociaram, pedia o prazo de quarenta e cinco dias pra fazer a devolução. Mas findava o prazo, eles não faziam devolução”. Essa tática protelatória, de prometer o reembolso e não cumprir, deixou a família em um limbo, sem a restituição devida e com a sensação de impotência.

Diante do impasse na via administrativa através do Procon, ou da dificuldade em sequer localizar a empresa para uma citação formal, como no caso de Jardim do Seridó, a alternativa que resta para a família do idoso é a judicialização. Mas o calvário atravessado por quem já processa a Conafer indica que a batalha não será fácil.

CONAFER: Uma Ong Controlada Por Pecuarista

A entidade ligada à Máfia do INSS e que está por trás dos descontos que assombraram aposentadorias de potiguares é a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil, conhecida pela sigla CONAFER. Com registro CNPJ 14.815.352/0001-00 e sede declarada em Brasília-DF.

Reportagem publicada pelo portal Intercept Brasil mostra que a Conafer é uma ONG ligada que se intitula de proteção a indígenas, mas seu controlador é um pecuarista com ramificações no Centrão. Segundo o site, além da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes é dono da empresa de gado Concepto Vet e da holding Farmlands, que fica nos Estados Unidos. O filho administra uma companhia de mineração em Minas Gerais, a Lagoa Alta.

Em seu site institucional e materiais de divulgação, a confederação afirma atuar em prol de milhões de famílias no campo, oferecendo programas e serviços e buscando representatividade para o setor agrícola familiar, que, segundo a própria entidade, é responsável por uma parcela significativa da produção de alimentos para o consumo interno brasileiro.

No Rio Grande do Norte, a Conafer é sediada em Extremoz e coordenada, segundo o site da instituição, por Carla Vieira, presidente da FAI, Federação da Agricultura Indígena e Empreendedorismo do Rio Grande do Norte. Para essa reportagem, não conseguimos contatar Carla Vieira.

Uma Contradição Evidente

A imagem de defensora dos trabalhadores rurais contrasta fortemente com a avalanche de processos judiciais a que o Blog do Dina teve acesso em pesquisa para esta reportagem. Além disso, nenhum dos personagens ouvidos para esta matéria é indígena ou agricultor familiar, em nome de quem a CONAFER diz atuar.

E entidade figura como ré em inúmeras ações judiciais em diversos estados brasileiros (como São Paulo, Bahia, Pernambuco e Mato Grosso, entre outros), acusada justamente de realizar descontos indevidos em benefícios previdenciários de aposentados e pensionistas, muitos dos quais afirmam jamais ter autorizado tais contribuições ou sequer ter tido qualquer contato prévio com a confederação.

As decisões judiciais encontradas frequentemente condenam a CONAFER à devolução em dobro dos valores descontados e ao pagamento de indenizações por danos morais, reconhecendo a falha na prestação do serviço e a ilegalidade das cobranças.

Um ponto crucial que pode explicar como esses descontos são operacionalizados pela Máfia do INSS é a existência de Acordos de Cooperação Técnica (ACT) firmados entre entidades como a CONAFER e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Uma consulta ao portal do próprio INSS confirma a existência de um acordo específico com a CONAFER (Processo Nº 35014.186611/2020-13), datado de setembro de 2021.

Embora esses acordos visem, teoricamente, facilitar o acesso a serviços e informações para os segurados representados pelas entidades, investigações como a “Operação Sem Desconto", mencionada no esqueleto da matéria, apontam que brechas nesses convênios podem ter sido exploradas para a realização de descontos automáticos sem o devido consentimento dos beneficiários, transformando um instrumento de cooperação em um mecanismo para lesar justamente a população que deveria proteger.

Respostas e Consequências

A batalha travada pela família do idoso, pela aposentada de Jardim do Seridó e por inúmeras outras vítimas não tem sido em vão, embora o caminho seja árduo. A recorrência de ações judiciais contra a CONAFER tem resultado em condenações que começam a responsabilizar a entidade pelos descontos indevidos.

As decisões encontradas na pesquisa jurisprudencial frequentemente determinam não apenas a cessação imediata dos descontos, mas também a devolução em dobro dos valores subtraídos, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor para cobranças indevidas, além de indenizações por danos morais, reconhecendo o transtorno e o abalo financeiro causados aos beneficiários.

Paralelamente às ações individuais contra a Máfia do INSS, a dimensão do problema levou a uma resposta mais ampla por parte das autoridades. A “Operação Sem Desconto” representa um esforço significativo da Polícia Federal e da CGU para desarticular esquemas fraudulentos envolvendo descontos associativos. Como consequência direta dessas investigações e da pressão pública, o governo federal anunciou medidas importantes como a suspensão dos repasses, mas não conseguiu ainda dar explicações à sociedade brasileira.

Além da suspensão, foi anunciada a promessa de devolução dos valores descontados indevidamente. A Controladoria-Geral da União (CGU) indicou que parte dessa restituição seria realizada diretamente na folha de pagamento dos beneficiários afetados. No entanto, como aponta o esqueleto da matéria, ainda não havia, até o momento da apuração inicial, um prazo definido para a devolução integral de todos os valores subtraídos ao longo dos anos, deixando muitas vítimas, como o idoso desta reportagem e Marcionila, em uma espera angustiante pela reparação completa do prejuízo sofrido.

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