Antes mesmo de ser alvo da Máfia do INSS, num dezembro em Natal, quando o calor castigava o asfalto, uma senhora de 76 anos – que identificarei como Dona Olívia –, celebrava o alívio financeiro. Quatro longos meses na fila do INSS, esperando a pensão que lhe era de direito. O dinheiro entrou. Mas a alegria durou pouco. Começava ali uma situação de luta por direitos básicos que terminaria no envolvimento de Dona Olívia sendo roubada pela Máfia do INSS, descoberta na Operação Sem Desconto. A notícia é do Blog do Dina.
Diante do caixa eletrônico, dias depois de receber o sinal verde para receber a pensão por morte do marido, a tela fria devolveu uma mensagem brutal: saldo insuficiente. Onde estavam os mais de sete mil reais, fruto da espera e da necessidade? Tinham evaporado.
O choque foi tamanho que o corpo fraquejou. Dona Olívia passou mal. Precisou ser levada às pressas para o hospital. Mal sabia ela que sua história era apenas mais um fio na intrincada teia de golpes que assola aposentados por todo o Brasil. Dona Olívia passou por três golpes, uma ao ver seu dinheiro na Crefisa sumir, e o banco se negar a dar explicações; outro de um estelionatário, que se apresentou em sua casa se dizendo do INSS e que se ela não assinasse papéis, que não assinou, perderia o benefício, e, finalmente, da Máfia do INSS.
A Via Crúcis pelo Benefício
Quatro meses. Cento e vinte dias. Para Dona Olívia, a espera pela pensão do INSS parecia interminável. Aos 76 anos, viúva, cada dia sem o benefício era um desafio a mais na rotina apertada em Natal.
A burocracia estatal, muitas vezes impessoal e lenta, testava a paciência e a saúde já fragilizada. A dependência daquele dinheiro não era um luxo, mas uma necessidade básica para remédios, alimentação, para a simples dignidade.
Finalmente, em dezembro de 2021, a notícia: o benefício seria pago. O dinheiro viria através da Crefisa, uma das financeiras que assumiram parte da folha de pagamento do INSS.
Um suspiro de alívio. Mas a via crúcis de Dona Olívia estava longe de terminar. Na verdade, uma nova e mais cruel etapa estava prestes a começar.
O Primeiro Salário e o Roubo Silencioso
No dia 7 de dezembro de 2021, o dinheiro finalmente caiu na conta da Crefisa. O primeiro pagamento do INSS. Uma quantia superior a sete mil reais, acumulada durante a espera.
Mas a tranquilidade durou pouco mais de uma semana. No dia 16 de dezembro, silenciosamente, R$ 7.160,00 foram transferidos da conta de Dona Olívia.
A operação, segundo a Crefisa informaria depois, foi feita pelo aplicativo do banco. Um aplicativo que Dona Olívia, com seus 76 anos e pouca familiaridade digital, jura nunca ter baixado, muito menos cadastrado senha ou utilizado.
O golpe só foi descoberto quatro dias depois, em 20 de dezembro. Ao tentar sacar dinheiro em um caixa 24 horas, a máquina recusou. Saldo insuficiente. O extrato confirmou o pesadelo: restavam apenas R$ 7,36 na conta.
O dinheiro suado, esperado por meses, tinha desaparecido em um clique fantasma, em uma operação digital que ela não reconhecia e não entendia.
O Labirinto da Contestação
De volta em casa, o desespero deu lugar à ação. A filha de Dona Olívia tentou baixar o aplicativo da Crefisa pela primeira vez para investigar o extrato. Em vão. A mensagem na tela era clara: “acesso indisponível”. Como uma transferência pôde ser feita por um app inacessível?
No dia seguinte, 21 de dezembro, o contato foi direto com o SAC da Crefisa. A atendente confirmou a transferência de R$ 7.160,00 para terceiros, realizada dias antes via aplicativo. Dona Olívia, ao telefone, reafirmou: desconhecia a transação, nunca usara o app, nunca fornecera dados.
Com o Boletim de Ocorrência em mãos, um e-mail formal de contestação foi enviado à Crefisa, anexando o BO e exigindo explicações e o estorno. A resposta do banco, segundo a família, veio por telefone.
Surpreendentemente, em menos de dez dias, a Crefisa devolveu o valor integral à conta de Dona Olívia. Um alívio financeiro, sem dúvida. Mas a angústia permaneceu.
O banco, apesar de ressarcir o prejuízo, nunca informou para onde o dinheiro foi transferido, nem quem estava por trás da operação fraudulenta. A falha de segurança que permitiu o roubo virtual ficou sem explicação. A ferida, embora estancada, não cicatrizou.
A Crefisa foi procurada pelo Blog do Dina para se manifestar a respeito do caso, mas até o fechamento desta matéria, o email enviado com questionamento não foi respondido. À filha de Dona Olívia, a instituição afirmou que se ela quisesse saber para onde tinha ido o dinheiro, teria de ingressar com um ação judicial.
Sombras da Máfia: Conexão INSS?
O golpe sofrido por Dona Olívia em Natal não é um raio em céu azul. Ele ecoa um escândalo muito maior, que veio à tona com a “Operação Sem Desconto” da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU).
A investigação mira associações e sindicatos que, usando acordos com o próprio INSS, descontavam bilhões de reais de aposentadorias e pensões, muitas vezes sem autorização clara ou através de artimanhas digitais.
A filha de Dona Olívia percebeu a semelhança. “Essa história parece muito com essa atual do INSS”, comentou ela em mensagem, referindo-se ao método de “pegar uma assinatura para ter desconto do benefício”.
Embora o golpe contra Dona Olívia tenha sido uma transferência direta via app Crefisa, e não um desconto associativo recorrente, a pergunta persiste: a vulnerabilidade dos dados dos beneficiários no sistema INSS ou nas financeiras parceiras facilitou a ação dos criminosos?
Aparentemente sim, pois Dona Olívia passou também a ser alvo da Máfia do INSS. Em nome de AAPB, ela começou a ter descontos que não solicitou a partir de março de 2024 no valor de R$ 46,53, que passaram para 49,37 a partir de janeiro deste. Nos documentos fornecidos pela filha de Dona Olívia já consta o lançamento para o mês de maio.
Idosos na Mira: Vulnerabilidade Digital
O caso de Dona Olívia expõe uma ferida social: a vulnerabilidade dos idosos no mundo digital. Eles são alvos preferenciais de criminosos que se aproveitam da menor familiaridade com tecnologias, senhas e aplicativos.
Bancos e financeiras, como a Crefisa, têm a responsabilidade de garantir a segurança das contas e dos dados de seus clientes, especialmente os mais vulneráveis. Como um aplicativo pôde ser operado sem o conhecimento ou consentimento da titular?
A exigência de biometria, senhas complexas e confirmações em múltiplos fatores são barreiras necessárias. Mas falhas acontecem, como parece ter sido o caso aqui. A devolução do dinheiro é o mínimo; a prevenção de novos golpes e a transparência sobre as falhas são essenciais.
Enquanto a tecnologia avança, a proteção aos idosos precisa avançar na mesma medida, com informação, suporte e sistemas bancários verdadeiramente seguros para evitar tanto a situação da Crefisa quanto ser alvo da máfia do INSS
Ecos em Natal
O drama de Dona Olívia não é uma anomalia isolada na capital potiguar. Relatos anteriores, como o de familiares de outro aposentado vítima de descontos indevidos pela CONAFER, já apontavam para um cenário preocupante em Natal.
Segundo essas denúncias, o Procon da Zona Norte da cidade recebe “inúmeros casos diariamente” de aposentados e pensionistas buscando reverter descontos não autorizados ou solucionar fraudes relacionadas aos seus benefícios.
A repetição desses golpes em Natal sugere uma atuação coordenada ou, no mínimo, uma vulnerabilidade sistêmica que afeta desproporcionalmente a população idosa local, transformando o sonho da aposentadoria em um pesadelo financeiro e burocrático.
Conclusão: A Ferida Aberta
O dinheiro voltou para a conta de Dona Olívia. Mas a sensação de violação, o medo e a desconfiança permanecem. O trauma de ver o sustento suado desaparecer, o desespero que a levou ao hospital, tudo isso deixa marcas profundas.
A história dela, ecoando em Natal e se conectando a um esquema nacional de fraudes contra os mais vulneráveis, é um alerta urgente. Aposentados e pensionistas, que dedicaram a vida ao trabalho, merecem segurança e respeito, não serem vítimas de golpes financeiros e da negligência institucional.
Enquanto a “máfia do INSS” encontra novas formas de agir e as falhas de segurança persistem em aplicativos e sistemas, a ferida continua aberta. A devolução do dinheiro é justa, mas não basta. É preciso investigação, punição aos culpados e, acima de tudo, proteção efetiva para quem mais precisa.