O Ministério Público Federal (MPF) obteve uma vitória inédita no Rio Grande do Norte: uma liminar do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que determina a realização de consulta prévia, livre e informada (CPLI) com a comunidade tradicional da Redinha, em Natal, antes de qualquer nova intervenção no Complexo Turístico local. A decisão reconhece, pela primeira vez no estado, o direito de uma comunidade tradicional a participar das decisões sobre obras em seu território.
A medida afeta diretamente o projeto de reestruturação do complexo, que envolve o mercado público, os quiosques da orla e a área destinada a embarcações. Sem escuta prévia, as intervenções já vinham sendo executadas — com atrasos, impactos sociais e contestação por parte da população tradicional, composta por pescadores artesanais, marisqueiras, barraqueiros e pequenos comerciantes.
Para o procurador da República Camões Boaventura, responsável pela ação, a ausência de diálogo com a comunidade gerou consequências graves: “Esperamos que com essa decisão o município de Natal passe a dialogar de forma horizontal e respeitando o direito da comunidade. Querendo absorver o que a comunidade tem para contribuir com esse processo”, afirmou com exclusividade para o Portal 96.
As obras do mercado público foram concluídas após sucessivos atrasos, mas o equipamento permanece fechado. Já os quiosques antigos foram demolidos, e a construção das novas estruturas ainda não foi finalizada. Os comerciantes que ocupavam o espaço foram desalojados sem qualquer assistência adequada.
“É importante deixar claro que a consulta prévia, além de um direito, é uma grandiosa oportunidade para que os poderes públicos possam se valer da compreensão das comunidades sobre aquele território para ter decisões mais acertadas”, explicou Boaventura.
O MPF acionou o TRF5 após a Justiça Federal no RN negar, em maio, o pedido de liminar que buscava suspender as intervenções até a realização da consulta. A decisão do desembargador federal Walter Nunes reconhece que, “desde o início da intervenção estatal, deveria ter sido realizada a Consulta Livre, Prévia e Informada como condição para qualquer deliberação sobre medidas que afetem a comunidade e/ou seu território”. A CPLI deverá discutir medidas consensuais para a readequação da implementação e gestão do complexo.
Segundo o procurador, a falta de diálogo resultou em uma obra que fracassou socialmente: “Já fazem alguns anos que o mercado foi desativado e não houve consulta. O mercado está parado e não foi utilizado. Como disse o desembargador, se lá atrás tivesse sido feita essa consulta, provavelmente a cidade de Natal não estaria experimentando essa situação hoje. Um dispêndio vultoso de recurso público”, criticou.
Camões Boaventura destaca ainda o impacto direto da intervenção na vida das famílias locais: “Esse lugar passou por essa reforma. As famílias foram desalojadas e vivem em situação de vulnerabilidade. Essa intervenção não surtiu efeito positivo para a sociedade, pois o mercado está fechado”.
A decisão judicial, na avaliação do MPF, deve afetar inclusive o processo de licitação do novo projeto, que, segundo o procurador, precisa ser suspenso até que a comunidade tenha voz ativa: “Se lá atrás, tivesse sido debatido, muito provavelmente não estaríamos experimentando essa situação constrangedora, para não dizer ilegal e violenta com a comunidade. A decisão impacta no processo de licitação”, concluiu.