O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende retomar no início de 2026 as discussões para apertar a regulação de títulos isentos, com o objetivo de atenuar as distorções que esses papéis têm causado na curva de juros da dívida pública. A informação é da Folha de São Paulo.
No radar, estão títulos como LCA (Letra de Crédito do Agronegócio), CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), LCI (Letra de Crédito Imobiliário), CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários), LIG (Letra Imobiliária Garantida) e debêntures incentivadas.
Segundo um integrante da equipe econômica, há três caminhos possíveis em avaliação: mexer novamente no lastro (operações que servem como garantia das emissões), editar um decreto para a cobrança de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) ou propor alguma medida legislativa.
As duas primeiras têm maiores chances, de acordo com esse interlocutor, uma vez que dependem apenas de uma decisão administrativa do governo, sem necessidade de aval do Congresso Nacional. No entanto, ainda não há decisão tomada.
Esses investimentos incentivados de renda fixa de médio a longo prazo passaram a atrair um volume cada vez maior de aplicadores devido à isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos. Quem aplica nessas modalidades está oferecendo recursos para financiar o agronegócio, o setor imobiliário ou projetos de infraestrutura.
O diagnóstico do governo, porém, é que a isenção desses títulos torna a emissão de dívida pública mais custosa para o Tesouro Nacional, que precisa remunerar melhor o investidor para compensar o fato de ele colocar seu dinheiro em uma aplicação que é tributada.
A equipe econômica chegou a propor o fim da isenção de IR sobre essas aplicações, com uma taxação de 5% sobre os rendimentos. A alíquota ainda seria inferior aos 15% a 22,5% cobrados sobre outras aplicações financeiras, mas a medida enfrentou fortes resistências no Congresso e acabou derrubada.
Agora, a estratégia é tentar mexer em outros benefícios atrelados a esses papéis.
As operações com títulos isentos também contam com o benefício da alíquota zero de IOF. Em algumas modalidades, a única exigência é a permanência mínima de 30 dias na aplicação.
O governo pode rever esse incentivo, já que a Constituição garante a possibilidade de cobrar IOF nas operações com títulos mobiliários. Além disso, o STF (Supremo Tribunal Federal) já reconheceu a competência do Executivo para aumentar o imposto, após o recente impasse envolvendo o aumento de alíquotas em meados de 2025.
Para um integrante da equipe econômica, embora a medida resulte em aumento das receitas, o objetivo principal seria regulatório, para moderar a emissão desses títulos e atenuar a pressão exercida sobre o custo de financiamento do Tesouro Nacional e das próprias empresas que captam recursos no mercado.
Outra possibilidade é restringir o tipo de operação que pode servir de base para a emissão dos papéis isentos. No início de 2024, o governo já adotou medida nessa direção, por meio de resolução do CMN (Conselho Monetário Nacional) ao proibir a emissão de CRA e CRI que tivessem como lastro títulos de dívida emitidos por entidades sem relação com os setores agrícola e imobiliário. A avaliação era que essas emissões fugiam da finalidade original do incentivo.
A resolução ainda delimitou os tipos de operação de crédito rural e imobiliário que podem servir de referência para a emissão de LCA e LCI, respectivamente. A avaliação, porém, é que ainda há brechas a serem fechadas.
Em maio de 2025, o CMN novamente apertou as regras e elevou de 50% para 60% a fatia de recursos captados via LCA que precisam ser obrigatoriamente destinados ao crédito rural ou à aquisição de títulos do agronegócio.
Mesmo sem detalhar as medidas em estudo, o governo já deu sinais ao mercado financeiro de que este é um problema que precisa ser endereçado.
Um terceiro caminho seria propor alguma medida legislativa para rever as regras dos títulos isentos, mas esse cenário é considerado o mais difícil, sobretudo em ano eleitoral.
Em outubro, após ficar claro que o Congresso não aprovaria a taxação dos títulos isentos, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que o governo precisaria apertar a regulação desses instrumentos para evitar distorções na dívida pública.
Ele afirmou que havia a possibilidade de o governo ampliar os requisitos de direcionamento dos recursos captados para créditos ligados a essas atividades. "Nós vamos ter que mexer na regulação. Isso é imperativo", disse na ocasião.
Haddad ainda afirmou na época que "provavelmente nós vamos botar mais para cima" o percentual de direcionamento das LCAs ao crédito rural, indicando que a exigência ficaria mais próxima dos 80%.
As mudanças regulatórias, porém, ficaram congeladas enquanto o governo ainda costurava a aprovação de medidas tributárias no Congresso, como o corte de benefícios fiscais e o aumento de impostos sobre bets (casas de apostas), fintechs e JCP (Juro sobre Capital Próprio), uma forma de empresas remunerarem seus acionistas. Com a conclusão dessa agenda, o tema dos títulos isentos deve ser retomado em 2026.