Oferecimento:

Logo 96FM

som+conteúdo

Banner_1366x244px.gif

Esporte

Volante do Vasco foi criado em aldeia, disfarçou origem indígena e quase desistiu do futebol

Foto: Arquivo Pessoal

O Cauan Barros, que hoje é titular no meio de campo do Vasco e peça essencial no esquema de Fernando Diniz, quase desistiu da carreira três anos atrás. Aos 18 anos, ele se preparava para disputar sua primeira Copinha pelo clube quando machucou a lombar no treino, ouviu que talvez fosse necessária uma cirurgia e perdeu a cabeça.

A matéria é do ge. O Vasco fazia os ajustes finais na equipe que viajaria naquela semana para São Paulo. Como havia tido problemas recentes com lesão, Barros viu o filme se repetir e foi atingido em cheio pela frustração dele e da família, que tinha planos de ir junto para ver os jogos. Ele pegou suas coisas e voltou para Pernambuco.

- Eu só me lembro dele falando: "Vou embora, vou embora". E veio. A gente ficou no Rio - conta Clécio, pai de Barros.

Os pais e as duas irmãs mais novas que moravam com ele no Rio foram pegos de surpresa. Barros ficou cerca de um mês esfriando a cabeça na casa da família, na Terra Indígena Pankararu, aldeia à beira do Rio São Francisco situada entre Tacaratu e Petrolândia. Ele queria jogar contrato, plano de carreira, tudo para o alto, mas com o tempo foi convencido de que o melhor a fazer seria voltar para tratar a lesão no Vasco. Depois disso, se ainda quisesse desistir, tudo bem.

O pai contou ao ge que Barros sempre foi um menino "muito afoito".

- A gente dizia: "Calma, Cauan! Calma!". Em todos esses momentos, quando acontecia alguma coisa, ele queria desistir. Quando machucou a coluna, ele queria vir para casa. Quando perdeu pênalti, queria vir para casa. Quando quebrou o pé, queria vir para casa. Quando rompeu o menisco, queria vir para casa - recordou Clécio, que no ano passado voltou a morar na aldeia dos Pankararus.

No final das contas, Barros não precisou de cirurgia. Ele viu o elenco sub-20 desinchar com as subidas de Andrey Santos, Marlon Gomes e Eguinaldo para o profissional, aproveitou as oportunidades e fez uma temporada consolidada na categoria. Em 2023, aí sim, jogou a Copinha, fez gol e teve boas atuações, embora tenha perdido um dos pênaltis na eliminação para o Ibrachina, na segunda fase.

A primeira chance no time principal veio naquele ano, com Maurício Barbieri. Barros chegou a marcar gol numa derrota para o São Paulo, no Morumbis, mas a troca de treinador fez com que ele perdesse espaço no time e terminasse a temporada no banco. Durante o ano passado inteiro e o primeiro semestre deste ano, o jovem jogador, defendeu Amazonas e América-MG por empréstimo, período no qual amadureceu "na marra", como diz seu empresário.

Em agosto, o pai da pequena Sophia voltou para ser titular no time de Fernando Diniz, que disse que ele "tem um futuro brilhante pela frente" depois da grande atuação contra o Botafogo, no jogo de ida das quartas de final da Copa do Brasil. As três derrotas recentes no Brasileirão, para Juventude, Botafogo e São Paulo, interromperam uma sequência de 11 partidas de invencibilidade do Vasco com Barros na equipe titular.

"Chegou um índio"

Barros teve uma infância humilde na aldeia dos Pankararus, mais de seis horas para dentro do sertão pernambucano. Além de morar em um local distante das grandes cidades, onde a internet só chegou para valer cerca de seis anos atrás, sua família se acostumou a viver com pouco numa casinha com sala e dois quartos. Clécio era gari e complementava a renda trabalhando na roça. Luciana era merendeira. "A gente se esforçava para comprar os tênis do Senninha, que naquele tempo era a moda", contou a mãe ao ge.

Eles passaram anos e anos escutando as queixas de que Barros era um menino levado e que, dessa maneira, não chegaria a lugar algum. O episódio que virou lenda na aldeia, e que até hoje rende boas risadas, foi o dia em que ele levou para a escola uma caixa com um sapo dentro e tentou fazer com que a professora beijasse.

"Ele era danado, sempre danado", suspirou a mãe.

- Uma vez ele fugiu da escola, foi cortar caminho pela roça, e os bois deram carreira atrás dele. Ele foi correr e se rasgou todo nos arames. Chegou aqui e mentiu, disse que tinha tomado murro na escola. Eu fiquei brava e quase fui na escola - completou Luciana, contando que o filho disse a verdade quando se deu conta de que a farsa seria descoberta.

Por outro lado, Barros era um menino forte, ligeiro e que não se intimidava com tamanho, os pais relatam. Os Pankararus têm um rito de iniciação para adolescentes que se chama Menino do Rancho, que se dá em datas comemorativas ou em agradecimento pela cura de uma doença. Em determinado momento, o garoto é solto no terreiro enquanto os Encantados, figuras centrais da espiritualidade da aldeia, tentam capturá-lo. Cabe aos padrinhos, normalmente identificados com pinturas de barro branco, protegê-lo.

- O Cauan sempre participava porque tinha muita força. Ele era até perigoso, sempre queria enfrentar os maiores que ele (risos) - a mãe recordou.

Ver Barros trilhando caminho de sucesso como jogador provoca orgulho na aldeia, que virou um reduto vascaíno no sertão de Pernambuco, como mostrou reportagem do Esporte Espetacular em 2021. Quando ele assinou seu primeiro contrato profissional com o Vasco, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) publicou nas redes sociais comemorando: "Motivo de orgulho e alegria para a comunidade".

Foi por meio dessa publicação da Funai que as pessoas no Vasco descobriram a origem indígena de Barros.

Quando chegou ao clube com 15 anos, depois de uma passagem na base do Primavera, de São Paulo, o volante não compartilhava suas raízes nem dizia que vinha de uma aldeia por receio de virar chacota entre os companheiros de time, todos adolescentes como ele. Luciana se lembra que o filho disfarçava até o sotaque.

- Me chamaram lá no clube para falar sobre isso. Como os meninos eram todos de cidade, de família estruturada, ele ficava se resguardando. De tribo indígena, de família pobre, humilde, ele tinha receio. Você está sendo zoado, você vai procurar qualquer coisa sobre o cara para parar de ser zoado. Então ele tinha esse receio - contou ela.

"Os caras tudo do Rio, aí chegou um pernambucano, um índio", completou.

Entre conversas com a psicóloga e a assessoria do clube, Barros passou a abraçar suas origens. Ele não esconde mais quem é.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado