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Edmo Sinedino


Merecia ter levado um "corretivo" do mestre Olinto Galvão

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Gosto de  relembrar algumas histórias de meus tempos de jogador, das minhas doideiras. Já contei em outros textos que escrevi sobre minha passagem pelo América. O sonho realizado de, todas às quartas e domingos, eu e minha turma da Cidade Alta, rapaziada de classe média baixa (éramos lisos mesmo, uns mais, outros menos), fazer parte da equipe de futebol de salão do  América, do chique América, aquele clube que, nas festas de carnaval e formatura, tinha os acessos disputados como se fossem joias raras. 

Eu já me sentia realizado, feliz por fazer parte da escolinha do cara que era considerado o maior treinador da modalidade na história do Rio Grande do Norte, o querido mestre Olinto Galvão, já falecido, e que ficou na história comandando o rubro e a seleção mágica do Estado de resultados e jogos memoráveis no final da década de 1960 e começo de 70.  Pois é, gente, foi com ele, briguei com Olinto Galvão.

Eu tinha 14 anos. E foi assim: eu era reclamão demais, insuportável mesmo para quem jogava no meu time. Na quadra do América não poupava ninguém. Errou um passe, perdeu uma bola, falhou em lance de gol, vacilou, eu ficava puto da vida, e soltava um rosário irritante e repetitivo de impropérios. Não gostava de perder nem jogo da moeda e do preguinho e por isso sobrava para quem estava no meu time.

Lá no futsal, os colegas mais antigos falavam que Olinto protegia os “filhinhos de papai” que treinavam, os filhos dos sócios ricos ou metidos. Era balela, na verdade, não tinha nada disso, era coisa da cabeça da meninada pobre, coitados, talvez  com inveja dos tênis, calções e camisas e bolsas, enfim, do material de primeira que eles usavam diferentes de nossas meias surradas e tênis gastos. 

Vai ver encasquetei essa reclamada e repetida discriminação que, repito, não existia mesmo.  A maioria dos meninos ricos, porém, verdade seja dita,  não jogava nada mesmo (com algumas exceções, claro), e os coitados eram meus alvos preferidos, não poupava as falhas. Me arrependo.

E a desgraceira aconteceu  numa quarta-feira. Naquela noite, Olinto chegou atrasado, disseram que ele tinha tomado uns uísques, não sei. A quadra estava meio molhada, tinha chovido, nem ia ter treino, mas insistimos, pedimos, fizemos o mutirão, aliás, repetimos o mutirão de enxugamento com vassouras e panos e ficamos na torcida para o tempo estiar. 

Olinto concordou e a bola começou a rolar. E eu já comecei a pegar no pé de um dos meninos fraquinhos do meu time. Uma, duas, três vezes, nessa terceira eu quase partia para cima do coitado, pois ele “tinha” dado um gol ao time rival. Olinto, que já tinha chamado minha atenção umas três vezes,  deu um grito alto mandando parar a bola. 

Todos ficaram estáticos, assustados, ele veio na minha direção, furioso, gritando,  super irritado: “Sai, sai PPO, sai do treino e está suspenso, até eu mandar você voltar a treinar!", esbravejou o velho mestre sem paciência.

 Eu, cabeça fervendo por conta da derrota e da vergonha, mandei o mestre Olinto “praquele canto” e repeti outros tantos palavrões…fui dizendo e saindo; de repente, acho que na minha visão periférica senti aquela presença perto de mim, olhei de lado e notei que Olinto vinha furioso na minha direção, quase correndo, na certa ia me dar uma lição. um corretivo. 

Não sei como fiz, saltei para fora do seu alcance numa ligeireza de um gato, disparei numa carreira tão grande, mas tão grande, que só parei já chegando na Princesa Isabel. Imaginem aí, do América, lá da Rodrigues Alves, correndo sem parar, morto de medo, achando que o treinador ainda estava vindo atrás de mim.

O pior de tudo é que, mais tarde, quando a turma estava reunida na esquina do encontro de todas as noites, fiquei sabendo o pior: quando correu na minha direção para me expulsar ou agredir, sei lá, Olinto escorregou numa parte da quadra que não estava bem enxuta e caiu feiamente batendo com a cabeça no chão. Coitado! Depois, sem jeito, se levantou e encerrou o treino, mandando todo mundo para casa.

Triste né, essa história. Mas o final dela é feliz. O tempo foi passando. Claro que não voltei mais a jogar com Olinto Galvão. Antes mesmo de fazer parte da equipe adulta, quando o querido Artur Ferreira já era o novo comandante, tive um encontro com Olinto, na Praia dos Artistas. 

Eu ia passando, já jogava no Alecrim como profissional, ele mandou um garçom da barraca me chamar, começamos a conversar como se nada tivesse acontecido. Me fez muitos elogios, elogios que eu já havia ficado sabendo por intermédio de outras pessoas. Foi um dos dias mais felizes da minha vida.

 Enfim, essa é, sem dúvida, a briga que eu mais lamento ter tido na minha vida de atleta. E devo dizer que sofri, por muitos anos, ao ver todos da turma, às quartas e domingos, continuar os treinos, fazendo jogos no interior, campeonatos e tudo mais, coisas que sempre sonhei vestindo a camisa do América. Infelizmente nunca tive coragem e nem humildade para ir até o velho mestre e pedir desculpas.

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