Se tudo correr bem, uma mãe e um bebê recém-nascido recebem alta da maternidade em cerca de 48 horas. Esse tempo já representa quase metade da licença-paternidade garantida por lei a pais sob regime CLT no Brasil, que é de apenas cinco dias. A Câmara dos Deputados deve apreciar nesta terça-feira (4), o projeto de lei 3935/2008, que aumenta o período de afastamento do pai do trabalho de cinco para 30 dias. Com informações da Gazeta do Povo.
Durante esses cinco primeiros dias, a mulher — especialmente se passou por cesariana ou sofreu lacerações em um parto normal — ainda está bastante debilitada fisicamente. O bebê, por sua vez, acorda em média a cada duas horas, o que impede os responsáveis de completarem sequer um ciclo de sono, que dura cerca de 3,5 horas em adultos. A amamentação ainda está se estabelecendo, mas demora cerca de 15 dias para que a mãe consiga amamentar a criança sem dor. É neste cenário, em que a rotina ainda está longe de se estabilizar, que o pai precisa voltar a trabalhar.
Benefício poderá ser dividido com o retorno da mãe ao trabalho
Segundo o texto apresentado pelo deputado Pedro Campos (PSB-PE), o novo modelo de licença será implementado de forma gradativa: 10 dias no primeiro ano após sancionada a lei, 15 no segundo, 20 no terceiro, 25 no quarto e 30 dias no quinto. Em casos de internação da mãe ou do bebê, o início da contagem será a partir da alta hospitalar.
O projeto também prevê que o pai possa usufruir metade do período de licença após o 180º dia do nascimento da criança, período em que a mãe está retornando ao trabalho. A proposta busca incentivar o pai a assumir o papel de cuidador principal nesse momento.
“A ideia é que o pai possa estar presente quando a mãe volta a trabalhar, ajudando-o a assumir o papel de cuidador principal. Faz muita diferença o pai estar ali, de fato, responsável. Saber quando tem que trocar a fralda, quando vai dar banho ou escolher a roupa. Isso não pode ser responsabilidade exclusiva da mulher. Ambos são responsáveis pela criança”, destaca Caroline Burle, presidente adjunta da Coalizão Licença Paternidade e secretária-executiva da Frente Parlamentar pela Licença-Paternidade.
A proposta inicial, elaborada por um grupo de trabalho da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados ainda em 2023, sugeria 60 dias de afastamento do pai. Durante as articulações, o período se tornou gradativo, chegando, ao máximo, em 30 dias. A movimentação dos parlamentares se deu após uma decisão do Supremo Tribunal Federal. A Corte obrigou o Congresso Nacional a regulamentar a licença-paternidade em 18 meses, prazo que expirou em julho deste ano.
70% dos adolescentes apreendidos na Febem foram criados sem a presença paterna
A presença do pai nos primeiros dias de vida da criança é fundamental para a construção de vínculos afetivos duradouros. A ampliação da licença-paternidade pode contribuir significativamente para melhorar indicadores da estrutura familiar no Brasil. Onze milhões de mulheres criam seus filhos sozinhas, segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento.
“O desempenho socioemocional das crianças melhora significativamente com a presença do pai ao longo da vida. E a probabilidade de um homem continuar cuidando da criança depois de ter participado dos cuidados nos primeiros dias é muito maior”, destaca Rodolfo Canônico, diretor-executivo do Family Talks.
A presença do pai, por exemplo, pode diminuir as chances de que as crianças tenham envolvimento com crimes. Um estudo do Instituto Uniemp, que analisou 1190 entrevistas de internos da Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor), revelou que 70% deles foram criados sem a presença paterna. O mesmo padrão foi identificado em um levantamento feito pelo Instituto de Atendimento Sócio-Educativo do Espírito Santo (IASIS), que apontou que 77% dos internos não tinham o pai em casa.
Além dos benefícios para os filhos, a presença paterna também impacta positivamente a saúde mental dos pais e das mães. “Os pais que cuidam dos filhos relatam maior satisfação com a própria vida e melhores índices de saúde-mental. Para as mulheres, a presença do parceiro contribui para uma recuperação mais tranquila e a amamentação também tem mais chances de sucesso”, explica Canônico.
Estudos demonstram que o apoio paterno está relacionado à maior duração da amamentação, tão importante para o crescimento e desenvolvimento da criança. Esse apoio possibilita momentos de descanso para a mulher – no cuidado da casa e do bebê – e encorajamento, permitindo que ela amamente o filho por mais tempo.
Licença-paternidade será custeada pela Previdência Social
A proposta prevê que a remuneração da licença-paternidade siga os mesmos moldes da licença-maternidade, que é o pagamento de um salário pela Previdência Social. Na prática, isso significa que o benefício não acarretará custos diretos para as empresas (que hoje pagam os cinco dias de licença-paternidade).
Já o impacto fiscal líquido da ampliação do benefício tem o valor estimado em R$ 2,2 bilhões no primeiro ano e R$ 6,5 bilhões no último ano. Atualmente, a Previdência Social é a maior fonte de déficit do Governo, que em 2025 já registrou um saldo negativo de R$ 286,3 bilhões. Os defensores da proposta, porém, acreditam que os benefícios obtidos com a ampliação da licença-paternidade vão suprir esses gastos.
Mesmo assim, o projeto enfrenta resistência de parte do setor empresarial e de alguns parlamentares, especialmente diante dos desafios já enfrentados pelos empreendedores no Brasil. Recentemente, o país foi considerado um dos piores lugares do mundo para se empreender. Empresários lidam com um sistema tributário complexo, sobreposição de tributos federais, estaduais e municipais, além de constantes mudanças nas regras e exigências regulatórias.
Para Burle, é preciso olhar além dos custos imediatos, especialmente em um cenário com desafios populacionais se agravando. “A gente precisa incentivar que as famílias queiram ter filhos e a licença-paternidade é a ferramenta mais potente que a gente tem para isso hoje. Mais crianças nascendo significam mais contribuintes no futuro”, defende.
Ela também cita o economista James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel, que desenvolveu a chamada curva de Heckman. Segundo o modelo, os investimentos feitos na primeira infância – de zero a seis anos – geram os maiores retornos sociais e econômicos. “Essa curva mostra que quando você investe nos dois primeiros anos da criança, que é justamente onde encaixa a licença-paternidade, o retorno é de sete dólares a cada dólar investido. É um benefício com alto impacto e excelente custo-benefício”, analisa.
“Ampliar a licença-paternidade para 30 dias é o mínimo, mas ainda assim um grande avanço. Sonhamos com o dia em que ela chegue a 120 dias e estará equiparada com a licença-maternidade”, conclui Burle.