Por William Medeiros.
De chá de camisinha até pó de corretivo para imitar cocaína, atualmente os jovens têm usado a criatividade para tudo, principalmente, se o objetivo é esquecer a realidade ruim ou ficar famoso na internet. Mesmo não sendo um fenômeno tão novo assim, a “juventude transgressora” chama cada vez mais atenção. Com base em alguns casos mostrados nesta matéria, o Portal 96 buscará explicar as razões e o que é possível fazer para enfrentar a situação através da opinião de especialistas.
Dentro deste assunto, uma notícia recente chamou atenção: um menino de 10 anos morreu após inalar desodorante recentemente, em Minas Gerais. O motivo? Um desafio na internet. Mas, não acaba por aí. Vale lembrar da “trend”, ou seja, moda nas redes sociais, de cheirar pó de corretivo líquido com o objetivo de imitar cocaína. Vários jovens relataram ter tido problemas de saúde após tentar seguir a prática.
Um caso ainda mais absurdo, felizmente, ainda não tem registro no Brasil (até o momento). Alguns jovens da Índia andam fervendo camisinhas para fazer uma espécie de “chá” e, após consumo, ficarem chapados. A sensação no organismo seria a mesma causada com a prática de “cheirar cola”, criando uma euforia e efeito alucinógeno.
O jovem estudante Luiz Felipe, de 17 anos, disse sua reação ao lhe oferecerem drogas ou a imitação dessas substâncias. Em ambos os momentos, ele relatou sentir a sensação de desprezo e espanto. “Como se tratava de um ambiente de escola, isso me trouxe alguns questionamentos sobre se era verdade que aquele tipo de situação virou uma ‘brincadeira’”, conta.
Quais as possíveis causas podem explicar esse fenômeno?
Para tentar explicar o fenômeno, o Portal 96 conversou com dois especialistas. Segundo o professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e diretor do Instituto Humanitas, Alípio de Sousa, a transgressão na juventude é um fenômeno mais amplo do que parece, por se tratar de uma questão geracional. “O que nós chamamos de transgressão, ou seja, a desobediência à lei e as normas, no caso dos jovens, em geral tem haver com o fato de que eles percebem o quanto as ordens sociais são opressivas, injustas, desiguais, portanto, contrariados com isso, rebelam-se e buscam contestar para dizer que desejam uma outra realidade”, disse.
Ainda segundo Alípio, não se pode entender as transgressões como algo negativo e não deve ser considerado como “crime”, pois este outro termo se trata de desobediência às leis. Neste sentido, a contestação das legislações são importantes para favorecer as mudanças sociais.
O psicólogo e historiador Otavio Carvalho alegou que a baixa autoestima pode ser “em partes” uma das razões para as práticas como a utilização de substâncias ou imitações delas. “O uso e abuso do álcool e das drogas existe há séculos e não é nenhuma novidade. Os gregos mesmos já usavam ópio, o Freud usou cocaína, o que também não significa dizer que quem usa cocaína vai criar a psicanálise ou virar o Freud. A verdade é que cada época traz a sua própria demanda. É natural a gente se assustar com o vício do álcool e das drogas, mas vício é vício. A gente se esquece de outras dependências, como compulsão alimentar e compras, em uma tentativa de frear a ansiedade, que é um mal do nosso século”, disse.
Já para Luiz Felipe, existem duas teorias que podem explicar isso. “Primeiro a sensação de se sentir mais velho, é algo que influencia muito, porque esse tipo de coisa é mais acessível para adultos. Então, você tem essa tendência de imaginar que vai se sentir mais velho se usar. A outra é a fuga da realidade daquele momento presente, porque os jovens passam por muitos problemas e isso acaba sendo um ‘refúgio’, de certa forma”, relata.
O que os pais ou responsáveis podem fazer?
Otavio alegou que, para ajudar os filhos a enfrentarem essas situações, os pais precisam sair do celular. “O vício em celular tem destruído famílias em escalas de pandemia. É muito sério. Outra coisa é não ter medo de dar limites aos filhos. Frustrar os filhos faz parte da educação e da formação da personalidade. Uma sociedade com tantas rupturas de laços e lares destruídos, dar esse limite desde cedo e dialogar são soluções possíveis. Outra coisa é buscar ajuda, com terapia individual ou familiar e, no mais, não tem muito o que fazer no sentido de que é comum encontrar na juventude um comportamento desafiador e de embate de gerações, sempre aconteceu e sempre vai acontecer”, conta.